segunda-feira, junho 04, 2007

Uma pequena homenagem

Raul José Aires Corte Peres Cruz nasceu no Cuanhama, filho de mãe branca e pai negro. Lá, na Chibia cheirou a terra do interior Angolano, aquela terra tão fértil que lhe encarnou a essência do homem guerreiro. No seu avião Sape-Sapeiro em Benguela, ganhou asas e imaginação que tanto usou nas suas composições e nas belas telas que pintou.

Saiu da sua Terra, cruzou o Mundo, cresceu, bebeu lá fora da mesma água que só os grandes astros bebem, adquiriu um novo nome e cantou... Cantou tanto Angola, a sua infância invulgar em Benguela, sempre, sempre ao lado do eterno Milo, até mesmo depois da morte dele. Não como presença física, mas muito mais importante como presença espiritual. O Raul dizia: “Quando o Milo morreu, senti uma enorme nostalgia, não me julgava capaz de cantar, mas certo dia ia cantar pela primeira vez sozinho no Coliseu, e sentia-me sozinho, completamente. Quando ia para entrar, senti a sua presença, e ouvi nitidamente a voz dele.”

Foi essa força inspiradora que o levou novamente a Angola, e se deparou com tanta miséria, tanta criança órfã, sedentos de amor, e ele, à sua maneira deu-lhes um pouco de conforto criando a fundação Ouro Negro.

Os amigos descrevem-no muitas vezes como uma pessoa muito serena, sempre com uma palavra amiga, e sobretudo nunca irritado. Isso prova bem a paz de espírito com que viveu a sua vida, sem alimentar ódios (nem mesmo pelo facto de nos últimos anos não estar na ribalta). Mas cumpriu a sua missão sem o sentimento de totalidade, porque a sua criatividade e sonhos não tinham fim. Ficaram projectos muito importantes por cumprir, entre eles um livro e um dvd com a história do Duo Ouro Negro.

Ele não estava preparado para morrer, acreditou até ao fim na sua recuperação, mas um linfoma em estado muito avançado terminou de vez com a sua esperança, tendo tido ainda tempo para receber o seu grande amigo Manuel Bobone, e pedir ao afilhado Nelson que se cumprisse o seu último desejo. Desejo esse que há muito ele tinha deixado no seu “testamento” onde dizia “e a terra o meu corpo não engula, para que não fique um marco de saudade, que me ponham numa pira de takula, e me queimem com acácias de verdade”.

Assim seja lembrado.

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4 Comments:

Blogger bissaide said...

Bonito texto! O Duo Ouro Negro é de facto um astro-rei no seio da música de matriz portuguesa.

6 de junho de 2007 às 09:40  
Blogger Ó said...

Obrigado pelo comentário. Vou mais longe, este Duo esteve ao nível do melhor da música mundial.

6 de junho de 2007 às 20:00  
Blogger bissaide said...

Ah, sim, isso sem dúvida também!

8 de junho de 2007 às 07:01  
Anonymous Anónimo said...

Já está à venda um DVD do Duo Ouro Negro que também inclui um CD. Talvez fosse conveniente uma entrada a comentar esta edição.

29 de agosto de 2007 às 12:49  

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