Uma pequena homenagem
Raul José Aires Corte Peres Cruz nasceu no Cuanhama, filho de mãe branca e pai negro. Lá, na Chibia cheirou a terra do interior Angolano, aquela terra tão fértil que lhe encarnou a essência do homem guerreiro. No seu avião Sape-Sapeiro em Benguela, ganhou asas e imaginação que tanto usou nas suas composições e nas belas telas que pintou.
Saiu da sua Terra, cruzou o Mundo, cresceu, bebeu lá fora da mesma água que só os grandes astros bebem, adquiriu um novo nome e cantou... Cantou tanto Angola, a sua infância invulgar em Benguela, sempre, sempre ao lado do eterno Milo, até mesmo depois da morte dele. Não como presença física, mas muito mais importante como presença espiritual. O Raul dizia: “Quando o Milo morreu, senti uma enorme nostalgia, não me julgava capaz de cantar, mas certo dia ia cantar pela primeira vez sozinho no Coliseu, e sentia-me sozinho, completamente. Quando ia para entrar, senti a sua presença, e ouvi nitidamente a voz dele.”
Foi essa força inspiradora que o levou novamente a Angola, e se deparou com tanta miséria, tanta criança órfã, sedentos de amor, e ele, à sua maneira deu-lhes um pouco de conforto criando a fundação Ouro Negro.
Os amigos descrevem-no muitas vezes como uma pessoa muito serena, sempre com uma palavra amiga, e sobretudo nunca irritado. Isso prova bem a paz de espírito com que viveu a sua vida, sem alimentar ódios (nem mesmo pelo facto de nos últimos anos não estar na ribalta). Mas cumpriu a sua missão sem o sentimento de totalidade, porque a sua criatividade e sonhos não tinham fim. Ficaram projectos muito importantes por cumprir, entre eles um livro e um dvd com a história do Duo Ouro Negro.
Ele não estava preparado para morrer, acreditou até ao fim na sua recuperação, mas um linfoma em estado muito avançado terminou de vez com a sua esperança, tendo tido ainda tempo para receber o seu grande amigo Manuel Bobone, e pedir ao afilhado Nelson que se cumprisse o seu último desejo. Desejo esse que há muito ele tinha deixado no seu “testamento” onde dizia “e a terra o meu corpo não engula, para que não fique um marco de saudade, que me ponham numa pira de takula, e me queimem com acácias de verdade”.
Assim seja lembrado.
Etiquetas: Biografia
4 Comments:
Bonito texto! O Duo Ouro Negro é de facto um astro-rei no seio da música de matriz portuguesa.
Obrigado pelo comentário. Vou mais longe, este Duo esteve ao nível do melhor da música mundial.
Ah, sim, isso sem dúvida também!
Já está à venda um DVD do Duo Ouro Negro que também inclui um CD. Talvez fosse conveniente uma entrada a comentar esta edição.
Enviar um comentário
<< Home